Rodovias ameaçam a onça-pintada por modificarem a paisagem no seu entorno
Estudo inédito mostra que a ocorrência do maior felino das Américas não é diretamente afetada pela presença de estradas, mas indiretamente pela redução de áreas naturais das quais a espécie depende
O maior felino das Américas está ameaçado por conta do avanço de estradas. É o que aponta o estudo “Direct and indirect effects of roads on space use by jaguars in Brazil”, de autoria de Rafaela Cerqueira, doutora pelo Programa de Pós-Graduação em Ecologia Aplicada da Universidade Federal de Lavras (UFLA), em colaboração com uma equipe internacional de pesquisadores. A pesquisa foi publicada recentemente na revista Scientific Reports.
As estradas estão entre os fatores de maior impacto sobre as populações de vida selvagem. Construídas em áreas de alto valor de biodiversidade, elas podem ter efeitos negativos diretos para a ocorrência de animais silvestres, porque eles tendem a evitar o tráfego, o ruido e a iluminação associados às estradas. No entanto, as rodovias também podem ter efeitos indiretos, que ocorrem quando a vegetação natural é removida para dar lugar ao crescimento urbano desenfreado.
“No caso da onça-pintada (Panthera onca), não se tinha conhecimento sobre qual desses efeitos tinha maior importância. Por meio de análises estatísticas e da utilização de dados de movimento de onças publicados por outros pesquisadores e disponíveis para uso científico, nosso estudo mostrou que a movimentação das onças não é diretamente afetada pela presença de estradas, ou seja, as onças utilizam áreas próximas e distantes das estradas mais ou menos na mesma proporção. Isso faz com que os atropelamentos sejam uma importante preocupação para a conservação da espécie”, explica Rafaela Cerqueira. Conforme a pesquisadora, também foi observado que as estradas reduzem as áreas naturais, das quais as onças dependem, e facilitam a expansão urbana, restringindo sua área de ocorrência.
Atualmente, a onça-pintada está em 15º lugar entre as espécies de grandes mamíferos com as maiores reduções de área de ocorrência devido a fatores antropogênicos. A perda e a fragmentação de habitat e a caça estão entre as principais ameaças à sobrevivência a longo prazo da espécie. “Como as onças precisam de grandes áreas para atender a suas necessidades ecológicas, a redução e a destruição de seu habitat por estradas pode modificar seus padrões de movimentação, dificultando o acesso à alimentação, refúgio e até mesmo o acesso a parceiros para reprodução, o que pode comprometer a viabilidade da espécie a longo prazo”, diz Rafaela.
A professora convidada da UFLA e pesquisadora do Centro de Estudos do Ambiente e do Mar da Universidade de Lisboa (CESAM), Clara Grilo, ressalta que esta é a primeira vez que um trabalho mostra como a perda e a degradação dos habitats da onça-pintada podem ser causados pela presença de estradas, e que esses resultados devem ser levados em consideração no planejamento de medidas, de forma a controlar e prevenir o desmatamento e a expansão urbana. “Esperamos que este estudo auxilie a sensibilizar os agentes ambientais para a tomada de decisões, visando a minimizar os efeitos negativos das estradas antes que eles excedam a capacidade das onças de manter suas populações e relações ecossistêmicas”, conclui Rafaela Cerqueira.