A trajetória de Alysson Paulinelli, ex-diretor da ESAL indicado ao Prêmio Nobel da Paz
"A UFLA foi o primeiro grande desafio brasileiro que eu tive na minha vida". Alysson Paulinelli.
A história de Alysson Paulinelli com a Universidade Federal de Lavras (UFLA) começou na década de 50, quando ainda era Escola Superior de Agricultura de Lavras (ESAL). Nascido em 10 de julho de 1936, na cidade de Bambuí, com apenas 15 anos deixou a sua cidade natal para cursar o ensino médio no Instituto Presbiteriano Gammon, em Lavras.
Em 1959, Paulinelli forma-se engenheiro agrônomo pela ESAL e inicia a sua jornada acadêmica, especializando-se nos estudos sobre o potencial da região do Cerrado para a produção agrícola. Ele recorda-se dos tempos difíceis que a Instituição passou quando não havia condições de fazer qualquer tipo de investimento para melhorias, a quantidade de estudantes não ultrapassava mais do que 120 e o número de professores também havia sido reduzido até o seu limite mínimo: “nós compensávamos as dificuldades com os interesses do aluno; as aulas práticas na maioria das vezes eram lecionadas em fazendas e fábricas da região”, relembra.
Paulinelli relembra um fato interessante que ocorreu em 14 de dezembro de 1959, quando o seu futuro já estava praticamente encaminhado, pois após a sua formatura já sabia onde iria trabalhar. Porém, recebeu um chamado inesperado do diretor e professor John Henry Wheelock. “O Mister Wheelock, como era carinhosamente chamado, sabia o quanto eu gostava da Escola, pelo trabalho que eu tinha feito como estudante. Fui presidente por duas gestões consecutivas do diretório acadêmico. Eu sabia que a situação da Escola estava muito crítica, tanto que, no seu cinquentenário, a Instituição não pode oferecer mais do que o culto e um jantar para os ex-alunos, e a festa foi organizada pelo diretório”, relembra.
Segundo ele, quando entrou na sala, estavam o Mister Wheelock e o professor Eduardo King Carr. Ele recorda que Mister Wheelock disse que alguns professores iriam sair da ESAL, e que precisava de alguém para substituí-los. Caso não encontrasse essa pessoa, não seria possível ter mais vestibular, podendo a Escola vir a fechar. “Eu levei um choque na hora. Foi um susto muito grande ouvir falar em fechar a nossa ESAL, naquela época com quase 54 anos de existência, foi algo que eu não gostaria de ouvir”.
Dessa forma, Paulinelli foi convidado a lecionar na ESAL, convite feito também a outros ex-estudantes que tinham acabado de se formar e que possuíam muitos conhecimentos. “Eu me recordo que, além de nós, o professor Wheelock também convidou vários especialistas nos cursos que estavam vagos para lecionarem na Escola. Muitos colegas não aceitaram, pois não viam futuro na escola de Lavras. Era uma escola que estava fadada ao fechamento”, diz.
Mister Wheelock disse que Paulinelli era capaz de substituí-los. A maneira que havia feito o convite, bastante taxativa, não o permitia recusar. “Eu tive uma reação muito forte, lembro que eu falei: se depender de mim para que a escola não seja fechada, está resolvido! Eu aceito. Eu nem sabia qual disciplina iria lecionar, onde eu iria morar, quanto eu iria ganhar. Abandonei todas as projeções que eu tinha feito e fiquei,” comenta.
Após aceitar o convite, Paulinelli propôs uma condição para que todos trabalhassem juntos e mantivessem a Instituição que ele considerava como uma das melhores do País. “Eu tinha uma sobrecarga muito grande, pois acabei assumindo duas cadeiras, e aquilo me sacrificou muito. Passei o primeiro ano com muito aperto, mas não esquecendo o problema da Escola. Tentávamos sempre buscar alguma solução. Os outros professores começaram a ter confiança na minha participação e acabaram me elegendo como representante no comitê que buscava solução para a Escola, e eu tinha muita confiança na missão que o Mister Wheelock havia me confiado”, relembra.
Paulinelli se envolveu no processo e menciona a união dos professores: “os professores eram muito unidos. Todos fizeram sacrifício pessoal para manter a Escola na sua fase mais crítica. Houve um reconhecimento, não só da sociedade, que sabia que aquela Instituição era de grande importância para Lavras, mas dos governos estaduais e federais, que ajudaram, em parte, no financiamento básico dos projetos, e assim conseguimos vencer essa luta, entre os anos de 1960 e 1963, que culminou na federalização da Escola”, afirma.
Paulinelli foi peça fundamental nesse processo. Ele diz que o ensino nas Ciência Agrárias teve uma revolução muito maior que os outros cursos no País. “Não tenho dúvidas de que esta grande revolução surgiu com a criação desta agricultura tropical, que teve como base as nossas escolas, aquelas 12 de agronomia e 9 de veterinárias. Eu vivi intensamente esse período, as escolas em dificuldades e o processo de federalização em 1963, o qual foi dificílimo e demorou mais de dois anos”, diz.
Entre os anos de 1966 e 1971, Paulinelli assumiu o cargo de diretor da ESAL, o que possibilitou um ritmo de expansão próprio do dinamismo que é característico do seu perfil. “Nessa época, o Brasil começava sua caminhada para se transformar numa das maiores potências agrícolas e exportadoras de alimentos do mundo”, afirma.
Em 1974, foi secretário de Estado de Agricultura de Minas Gerais por três vezes e assumiu o desafio de implantar uma nova matriz produtiva no Estado, baseada na incorporação de tecnologias e políticas de crédito estimuladoras de modernização. “Quando recebi o convite para assumir a Secretaria, a minha primeira resposta ao governador foi que eu não poderia largar a ESAL. Na época, o professor Fábio Cartaxo, que era o meu vice, foi muito compreensivo e disse que, no fundo, sabia que a qualquer hora eu poderia ser chamado pela minha eficiência”, relembra.
O trabalho de Paulinelli na secretaria de Agricultura de Minas Gerais, que tinha como foco o aumento da produção de alimentos, alinhado aos conceitos de sustentabilidade, chamou a atenção do Governo Federal. Assim, de 1974 a 1979, o mineiro foi ministro da Agricultura, período de políticas marcantes para o setor e para o desenvolvimento do Centro-Oeste brasileiro. “Recordo que, com a minha ida para Brasília, era evidente que a ESAL estava em uma fase melhor. Os trabalhos desenvolvidos já tinham bastante repercussão na área de solos, agricultura, cafeicultura, horticultura, fruticultura. e eu comecei a usar muito essa experiência de Lavras. Naquela época, muitas áreas do País não produziam o suficiente. A partir daí começamos a usar novos biomas, uma ideia que surgiu em Minas Gerais. Os recursos para o Estado começaram a ser multiplicados, devido ao apoio que eu tinha das instituições de Lavras, Viçosa e Belo Horizonte. Lavras me ajudou, e o professor Alfredo Scheid Lopes e sua equipe também”, relata.
Para Paulinelli, a UFLA representa muitos valores em sua vida. “Meu pai era agrônomo e quando contei a ele que queria estudar agronomia, ele ficou muito emocionado e satisfeito. Eu pedi que ele me indicasse uma escola, e como minha mãe havia estudado no Instituto Gammon, ele achou que a ESAL era a melhor para mim. Considero que me formei como um bom agrônomo e muito bem formado espiritualmente e moralmente. Hoje, só tenho a agradecer à ESAL, pois aprendi muito, aprendi a ser profissional, aprendi a ser homem, aprendi que as coisas não vêm por acaso, a não ser por muita capacidade e competência”.
Quando ministro, Paulinelli também modernizou a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e ajudou no desenvolvimento do Proálcool. Posteriormente, presidiu a Confederação Nacional da Agricultura (CNA) e elegeu-se deputado federal por Minas Gerais nas eleições de 1986, fazendo parte da Assembleia Nacional Constituinte de 1987 a 1988. Foi chefe da Delegação Brasileira na Conferência Mundial de Alimentos da Organização para a Alimentação e Agricultura (FAO) e presidente da Associação Brasileira de Educação Agrícola Superior do Brasil.
Em 2006, Paulinelli foi laureado com o prêmio World Food Prize, que condecora personalidades que contribuíram significativamente para o aumento da qualidade e da quantidade de alimentos no mundo. Hoje, é presidente executivo da Associação Brasileira dos Produtores de Milho (Abramilho) e do Instituto Fórum do Futuro, além de embaixador da Boa Vontade do Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA).
Em 2021, foi indicado ao Prêmio Nobel da Paz pela contribuição e dedicação à agricultura tropical, segurança alimentar e sustentabilidade que as novas tecnologias trouxeram à produção de grãos no Cerrado brasileiro em larga escala. “Fico muito feliz porque hoje todos reconhecem que a UFLA foi o primeiro grande desafio brasileiro que eu tive na minha vida. Isso me traz um alento, um orgulho muito grande, não pessoal, mas me convenci de que ninguém faz nada sozinho. Hoje, eu tenho a absoluta certeza de que se eu tivesse que nascer e viver tudo o que vivi, eu iria fazer tudo de novo”, diz com muito carinho.
Confira também a série de vídeos dos 111 anos da UFLA que contou com a participação de Paulinelli