Pela garantia de recursos para a educação
O Estado de São Paulo, 18/09/07
Milú Villela *
Na mesma controversa emenda que prorroga a cobrança da CPMF até 2011, que tramita na Câmara dos Deputados, está também a prorrogação de outro mecanismo que, embora não desperte a mesma atenção da opinião pública, é decisivo para a qualidade da educação brasileira e, portanto, para o futuro do País. Trata-se da Desvinculação de Recursos da União (DRU).
Pais, mães, educadores, autoridades educacionais, líderes de organizações da sociedade civil e todas as pessoas interessadas na melhoria do ensino público do País devem ficar atentos ao movimento que se desenrola no Congresso para estender esse mecanismo por mais quatro anos, uma vez que ele subtrai recursos de uma área que deveria ser a prioridade número 1 do Brasil.
Para melhor compreensão do problema vale destacar que a Constituição federal obriga a União a investir em educação um porcentual mínimo de 18% do total de impostos arrecadados em um ano. Acontece que esse valor não tem sido integralmente aplicado na educação. Para flexibilizar a administração das receitas o governo criou, em 1994, a emenda da DRU, visando a utilizar mais livremente 20% dos impostos carimbados para áreas específicas, como saúde e educação. Isso significa, na prática, que a quinta parte do investimento que seria destinado à educação é desvinculada dessa área pela DRU, permitindo ao governo aplicar esse montante em projetos e ações de outras áreas que julgue mais convenientes, urgentes ou necessárias.
Evidentemente, uma emenda como essa beneficia o gestor, na medida em que amplia sua autonomia na definição de prioridades e na aplicação de receitas para atender a elas. Mas, por outro lado, desobriga o uso pleno de recursos num setor crítico, historicamente desprezado e, mais recentemente, considerado estratégico para a construção de um novo modelo de País, mais justo e mais equânime na distribuição de oportunidades de desenvolvimento para todos os seus cidadãos.
Com a DRU - é bom que se frise - a educação perde, sim, recursos importantes que poderiam ser investidos, por exemplo, na melhoria das instalações escolares, na construção de bibliotecas, na compra de equipamentos ou na capacitação de professores. Os números dão bem a medida do rombo. E devem ser analisados com elevado espírito cívico. Estima-se que, por causa da DRU, entre 1998 e 2007 algo em torno de R$ 43,5 bilhões tenha sido retirado do financiamento da escola pública no Brasil.
O investimento em educação básica corresponde hoje a 3,2% do PIB nacional. Educadores, especialistas e organizações da sociedade civil, como o Todos Pela Educação, defendem que alcance o patamar mínimo de 5%. Mais recursos significam, a rigor, maior fôlego para promover o salto educacional de que o País necessita.
Apenas para se ter uma idéia do tamanho do desafio, hoje o Brasil investe US$ 870 per capita/ano nas quatro primeiras séries do ensino fundamental. O México aplica o dobro disso. A Coréia do Sul, cinco vezes mais.
Impossível tratar de desenvolvimento social, portanto, sem abordar a educação de qualidade. Impossível imaginar mais qualidade na educação sem orçamento compatível com a necessidade gerada pelo histórico déficit da área. Embora não seja o único fator relevante - a gestão adequada dos recursos também tem peso significativo -, o investimento inferior ao que seria necessário explica, em alguma medida, por que os alunos brasileiros aparecem sempre nas últimas posições do ranking mundial de aprendizagem em Língua Portuguesa, Matemática e Ciências.
Na semana passada, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou resultados de sua Pesquisa de Orçamento Familiar 2003/2004 que apontam uma clara relação entre o número de anos de estudo de uma pessoa e a renda familiar. Nas famílias em que há, por exemplo, um integrante com ensino superior, a renda média salta de R$ 1.215,24 para R$ 3.817,96. Esses números reforçam a tese de especialistas de diferentes formações que atribuem à educação o status de instrumento mais eficaz na diminuição das desigualdades do País. O desafio da universalização, na faixa etária de 7 a 14 anos, foi praticamente superado nos últimos 15 anos. Resta agora oferecer uma educação que assegure à criança e ao jovem condições de aprender para valer. E não de faz-de-conta.
Pela lei, a DRU deveria extinguir-se em 2007, mas o governo já encaminhou emenda para a sua prorrogação. E espera que ela seja votada na Câmara dos Deputados ainda neste mês de setembro. Felizmente, está em curso um movimento de reação liderado pela Comissão de Educação e Cultura da Câmara, com a participação ativa dos deputados Gastão Vieira (PMDB-MA) e Raquel Teixeira (PSDB-GO). Ao Congresso Nacional caberá analisar uma proposta de emenda à Constituição (PEC) que defende a revinculação progressiva dos recursos destinados constitucionalmente à educação. Oportuna e bem-vinda, a PEC, de autoria do deputado Rogério Marinho (PSB-RN), propõe a redução dos 20% da DRU em 5% ao ano até a sua completa extinção em 2011. Com essa medida se prevê um acréscimo de R$ 17 bilhões de investimentos para a educação brasileira nos próximos quatro anos. Se passar a emenda do governo, R$ 28 bilhões serão retirados da escola pública, com enorme prejuízo para a sua qualidade, no mesmo período.
Fique de olho, mobilize-se, cobre do deputado em quem votou e esteja atento para o que vai ser decidido nos próximos dias.
O fim da DRU é uma vitória da cidadania, um gesto importante em defesa da educação e do futuro do País.
*Milú Villela, embaixadora da Boa Vontade da Unesco, membro fundador e coordenadora da Comissão de Articulação do compromisso Todos pela Educação, é presidente do Museu de Arte Moderna (MAM) de São Paulo e do Instituto Itaú Cultural