“‘Boa noite a todos e a todas’ está correto? Virou moda entre alguns políticos de minha cidade se referir a ‘todos e todas’. Todos não engloba… todas?”
É claro que engloba. Trata-se de um princípio gramatical do português, que não herdou do latim o gênero neutro: cabe ao masculino quebrar o galho nesse papel, abarcando também o feminino. A rebelião de certos falantes contra isso, que deu no modismo que intriga o leitor, é um dos aspectos da onda politicamente correta que, a partir do último quarto do século passado e tendo como centro irradiador o meio universitário americano, passou a tentar mudar a linguagem como uma forma de mascarar problemas que não conseguia resolver na realidade.
Algumas propostas do movimento se afogaram no próprio ridículo – aquela de chamar carecas de “capilarmente diferenciados”, por exemplo. Outras, porém, terminaram se entranhando de tal forma em nosso modo de falar e pensar que muitas vezes nem nos damos conta da mudança. O substantivo velhice começou por ceder espaço no discurso de muita gente ao eufemismo terceira idade e, em seguida, viu-se substituído por uma formulação francamente apatetada:
melhor idade.
Não se trata de condenar a herança politicamente correta em bloco. É saudável que se chame a atenção dos falantes para a carga odiosa de racismo embutida num verbo como “judiar”, para citar um exemplo de ampla circulação no português. Judiar, maltratar, nasceu com uma mácula indisfarçável: quer dizer “tratar como se tratam os judeus”.
De volta à questão de “todos e todas” – ou “brasileiros e brasileiras”, como José Sarney gostava de abrir seus discursos quando presidente da República –, o modismo tem até nome: “linguagem inclusiva”. Tem também um princípio de aparato legal a protegê-lo, tornando seu uso obrigatório em algumas esferas da administração pública. Basicamente, trata-se de uma bobagem populista – daí seu sucesso com os políticos, cultores por excelência de bobagens populistas.
Será que vale a pena encher nossa língua de cacos, redundâncias e pedidos de perdão, como se fôssemos todos(as) advogados(as) gagos(as)? Ou seria melhor se combatêssemos as discriminações reais onde elas de fato causam dano à sociedade?
Fonte: veja.abril.com.br (com adaptações)
Paulo Roberto Ribeiro
Jornalista - DCOM/UFLA